Texto retirado do livro Decepcionado com Deus, de Philip Yancey.
Em um corpo, Cristo conciliou os dois mundos, unindo finalmente
espírito e matéria, unificando a criação de uma forma que não se via desde o
Éden. O teólogo Jürgen Moltmann assim o expressa, numa sentença que merece
muita reflexão: "A corporificação é o propósito de todas as obras de
Deus." E é assim que o apóstolo Paulo o expressa: "Ele é a cabeça do
corpo, da igreja... porque aprouve a Deus que nele residisse toda a plenitude, e
que, havendo feito a paz pelo sangue da sua cruz, por meio dele reconciliasse
consigo mesmo todas as cousas, quer sobre a terra, quer nos céus."
Quando
aquele Verbo-feito-carne ascendeu, deixou para trás sua Presença na forma de
seu corpo, a igreja. Nossa bondade torna-se literalmente a bondade de Deus
("Sempre que o fizestes a um destes meus pequeninos irmãos, a mim o
fizestes"). Nosso sofrimento torna-se, no dizer de Paulo, "a comunhão
dos seus sofrimentos". Nossas ações tornam-se suas ações ("Quem vos recebe,
a mim me recebe"). O que acontece a nós, acontece a ele ("Saulo,
Saulo, por que me persegues?"). Os dois mundos, visível e invisível,
fundem-se em Cristo; e nós, como Paulo sempre insistia, estamos mui
literalmente "em Cristo". A incorporação é o propósito de toda obra
de Deus, o objetivo de toda a criação.
Olhando
a partir de baixo, nossa tendência é pensarmos em milagres como uma invasão,
uma erupção no mundo natural com uma força espetacular, e nós ansiamos por tais
sinais. Mas a partir de cima, do ponto de vista de Deus, o milagre real é o da transposição;
que corpos humanos possam tornar-se vasos cheios do Espírito, que atos humanos
corriqueiros de caridade e bondade possam tornar-se nada menos do que a
encarnação de Deus na terra.
Para
finalizar a analogia, não preciso procurar além das palavras de Paulo, pois a
imagem que ele apresenta para descrever o papel de Cristo no mundo de hoje é a
mesma que empreguei para ilustrar a transposição. Jesus Cristo, disse Paulo,
agora atua como a cabeça do corpo. Sabemos como uma cabeça humana realiza sua vontade:
traduzindo, num sentido descendente, ordens que as mãos e os olhos e a boca
possam entender. Um corpo saudável é aquele que segue a vontade da cabeça.
Dessa mesma maneira, o Cristo ressurreto realiza sua vontade através de nós, os
membros de seu corpo.
Deus
está calado? Respondo a essa pergunta com uma outra: A igreja está calada? Nós
somos seus porta-vozes, as cordas vocais que ele designou neste planeta. Um
plano de uma transposição assim chocante garante que a mensagem de Deus algumas
vezes pareça confusa ou incoerente; garante que Deus algumas vezes pareça
calado. Mas a incorporação era o seu objetivo, e, à luz disso, o Dia de
Pentecostes torna-se uma metáfora perfeita: a voz de Deus na terra, falando
através de seres humanos em formas que até eles não conseguiam compreender.
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