domingo, 5 de maio de 2013

Deus Distante


Texto retirado do livro Derrubando Golias, de Max Lucado.


Um homem morto e um homem dançando. Um esticado no chão, o outro dando pulos no ar. O homem morto é o sacerdote Uzá. O homem que está dançando é o rei Davi. Os leitores de 2 Samuel não sabem o que fazer com nenhum dos dois. Um pequeno contexto os ajudará.

A morte do primeiro e a dança do segundo têm algo a ver com a arca da aliança, uma caixa retangular comissionada por Moisés. A caixa não era grande: um metro e dez de altura por 70 centímetros de largura. Três dos objetos hebraicos mais preciosos ficavam na arca: uma jarra de ouro contendo o maná intacto, a vara de Arão que floresceu muito tempo depois de ter sido cortada e as preciosas tábuas de pedra tocadas pelo dedo de Deus ao serem gravadas. Uma lâmina de ouro pesada, chamada propiciatório, servia como tampa para a caixa. Dois querubins de ouro, com asas estendidas, ficavam de frente um para o outro e olhavam para a tampa de ouro. Representavam a majestade do Senhor guardando a lei e as necessidades do povo. A arca simbolizava a provisão (o maná) de Deus, o poder (a vara) de Deus, os preceitos (os mandamentos) de Deus e, principalmente, a presença de Deus. Durante a época do templo, o sumo sacerdote podia ficar uma vez por ano diante da arca. Após oferecer sacrifícios pessoais de arrependimento, ele entrava no santo dos santos, segundo a história, com uma corda amarrada ao tornozelo para que não perecesse na presença de Deus e precisasse ser arrastado para fora.

É possível exagerarmos quanto à importância da arca? Dificilmente. Até onde seria preciosa para nós a manjedoura em que Jesus nasceu? E a cruz? Se tivéssemos a mesma cruz sobre a qual ele foi crucificado, daríamos valor a ela? Você também daria.

Por isso nós nos perguntamos por que os israelitas não valorizavam a arca da aliança. Surpreendentemente, deixaram-na acumular pó por 30 anos na casa de um sacerdote que morava cerca de 11 quilômetros ao oeste de Jerusalém. Negligenciada. Ignorada. Mas Davi, recém-coroado, resolve mudar isso. Depois de organizar a cidade de Jerusalém, ele tem como sua prioridade trazer a caixa de volta. Planeja um desfile de alto nível e convida 30.000 hebreus a participar. Eles reúnem-se perto da casa do sacerdote Abinadabe. Seus dois filhos,1 Uzá e Aiô, são responsáveis pelo transporte. Eles carregam a arca em uma carroça puxada por bois e começam a marcha. Trombetas soam, canções ecoam, e tudo segue bem ao longo dos três primeiros quilômetros até que eles pegam um trecho ruim da estrada. Os bois tropeçam, a carroça balança e a arca se desloca. Uzá, pensando que a caixa sagrada estava para cair da carroça, estica o braço para segurá-la. O céu fulminou Uzá "e ele morreu" (2 Samuel 6:7). Isso acaba rapidamente com o desfile. Todos voltam para casa. Profundamente angustiado, Davi volta para Jerusalém. A arca é mantida na casa de Obede-Edom enquanto Davi resolve tudo. Ao que parece, Davi é bem sucedido em sua missão, pois, ao final de três meses, ele volta, recupera a arca e reinicia o desfile. Dessa vez ninguém morre. Há dança. Davi entra em Jerusalém cheio de alegria. E "Davi foi dançando com todas as suas forças perante o SENHOR" (6:14).

Dois homens. Um morto. O outro dançando. O que eles nos ensinam? Especificamente, o que eles nos ensinam sobre a questão de invocar a presença de Deus? É isso que Davi quer saber: "Como vou conseguir levar a arca do SENHOR?" (6:9).

Na história de Davi e seus gigantes, esse é um problema do tamanho de um gigante. Deus é um deus distante? As mães perguntam: "Como a presença de Deus pode vir sobre meus filhos?" Os pais pensam: "Como a presença de Deus pode encher minha casa?" As igrejas desejam em seu meio a presença de Deus que toca, que ajuda, que cura. Como a presença de Deus pode vir até nós? Devemos acender velas, entoar cânticos, edificar um altar, liderar uma comitiva, doar um barril cheio de dinheiro? O que invoca a presença de Deus? Uzá e Davi misturam morte e dança para revelar uma resposta.

A tragédia de Uzá ensina o seguinte: Deus vem com suas próprias condições. Ele dá instruções específicas quanto ao cuidado com a arca e com o seu transporte. Somente os sacerdotes podiam aproximar-se dela. E, então, só depois ofereciam sacrifícios por si mesmos e suas famílias (veja Levítico 16). A arca era erguida, não com as mãos, mas com varas de acácia. Os sacerdotes passavam varas longas pelas argolas nas extremidades para carregarem-na. "Os coatitas virão carregá-los [os utensílios e todos os artigos sagrados]. Mas não tocarão nas coisas sagradas; se o fizerem, morrerão... eles deveriam carregar nos ombros os objetos sagrados" (Números 4:15; 7:9).

Uzá deveria saber disso. Ele era um sacerdote, um sacerdote coatita, um descendente do próprio Arão. A arca fora mantida na casa de seu pai, Abinadabe. Ele crescera com ela — o que talvez seja a melhor explicação para seus atos. Ele recebe a ordem de que o rei quer a arca e diz: "E claro que posso levá-la. Nós a tiramos do celeiro. Vamos colocá-la na carroça". O santo tornou-se monótono. O sagrado, de qualidade inferior. Por isso ele muda as ordens por conveniência, usando uma carroça, em vez de varas, e touros, em vez de sacerdotes. Não vemos obediência ou sacrifício; vemos conveniência. Deus irou-se. Mas ele tinha de matar Uzá? Ele tinha de tirar sua vida?

Fizemos a pergunta para Joe Shulam. Joe cresceu em Jerusalém, estudou no Seminário de Rabinos Judeus Ortodoxos e ainda mora em Israel. Ele conhece o Antigo Testamento a fundo. Ele encontrou alguns de nós no aeroporto e nos levou para Jerusalém, passando perto do lugar onde Uzá foi morto. — A pergunta — opinou ele em resposta — não é por que Deus matou Uzá, mas, em vez disso, por que ele nos deixa vivos? A julgar pelo número de igrejas mortas e corações frios, não tenho tanta certeza de que seja assim.

A imagem de Uzá morto manda um lembrete sério e arrepiante para aqueles de nós que conseguem ir à igreja com a freqüência que desejam, ter comunhão sempre que desejam. A mensagem é: não relaxe diante do santo. Deus não será levado em carroças convenientes ou carregado por animais irracionais. Não o confunda com um gênio que sai de uma lâmpada depois de ela ser esfregada ou com um mordomo que aparece ao som de uma campainha. Deus vem, lembre-se. Mas ele vem com suas próprias condições. Ele vem quando ordens são respeitadas, corações estão limpos e a confissão é feita.

Mas e o segundo personagem? Qual é a mensagem do homem dançando?

A primeira reação de Davi à morte de Uzá não é nada alegre. Ele retira-se para Jerusalém, confuso e magoado, "contrariado porque o SENHOR, em sua ira, havia fulminado Uzá" (1 Crônicas 13:11). Três meses se passam antes de Davi voltar para buscar a arca. Ele faz isso com um protocolo diferente. Sacerdotes tomam o lugar de touros. O sacrifício toma o lugar da conveniência. Os levitas consagram-se "para transportar a arca do SENHOR". Eles carregam a
arca de Deus "apoiando as varas da arca sobre os ombros, conforme Moisés tinha ordenado, de acordo com a Palavra do SENHOR" (1 Crônicas 15:14,15). Ninguém tem pressa. "Quando os que carregavam a arca do SENHOR davam seis passos, ele [Davi] sacrificava um boi e um novilho gordo" (2 Samuel 6:13). Quando percebe que Deus não está irado, Davi oferece um sacrifício e __________________________. Secione a resposta correta dentre as seguintes alternativas:

a. ajoelha-se perante o Senhor;
b. cai prostrado perante o Senhor;
c. abaixa a cabeça perante o Senhor;
d. dança com todas as suas forças perante o Senhor.

Se sua resposta foi a alternativa d, você acaba de ganhar um ingresso para a quadrilha da igreja. Davi dança com todas as suas forças perante o Senhor (6:14). Cambalhotas, chutes para o alto. Rodopiando, pulando. Não é bater os pés ou balançar a cabeça. O termo hebraico descreve Davi andando em círculos, saltitando e pulando. Esqueça o arrasta-pé simbólico ou a valsa obrigatória. Davi-o-matador-de-gigantes torna-se Davi-odançarino- de-passos-duplos. Ele é o prefeito de uma cidade famosa no dia de um santo badalado, pulando e gingando à frente do desfile. E, se não bastasse, ele tira o colete sacerdotal, a veste de linho para orações. O colete cobre a mesma parte que cobre uma camiseta longa.

Bem ali, diante de Deus, do altar e de todas as demais pessoas, Davi tira nada menos que sua roupa íntima sagrada. (Imagine o presidente da República fugindo do Salão Oval de cueca e dando cambalhotas por uma avenida movimentada.) Davi dança e nós abaixamos a cabeça. Prendemos a respiração. Sabemos o que está por vir. Lemos sobre Uzá. Sabemos o que Deus faz com os irreverentes e com os metidos. Ao que parece, Davi não estava prestando atenção. Pois aqui está ele, em plena presença de Deus e dos filhos de Deus, sacudindo sua roupa íntima. Segure sua respiração e chame o coveiro. Até logo, rei Davi. Prepare-se para ser fritado, flambado e refogado. Mas nada acontece. O céu está em silêncio, Davi continua rodopiando e nós ficamos curiosos. A dança não chateia Deus? O que Davi tem que Uzá não tinha? Por que o Pai celestial não está zangado?

Pela mesma razão por que eu não estava. Elas não fazem agora, mas, quando eram muito pequenas, minhas filhas dançavam quando eu chegava em casa. Meu carro na entrada de casa era sinal para elas começarem a puxar a banda."Papai chegou!", elas anunciavam, passando correndo pela porta. Bem ali, no gramado em frente de casa, elas dançavam. Extravagantemente. Com o rosto sujo de chocolate e a fralda lá nos pés, elas se exibiam para que todos os vizinhos vissem. Isso me incomodava? Eu ficava irritado? Ficava preocupado com o que as pessoas pensariam? Dizia para elas se endireitarem e agirem de forma madura? De jeito nenhum.

Deus disse a Davi que se comportasse? Não. Ele o deixou dançar. As Escrituras não retratam Davi dançando em algum outro momento. Ele não dançou com a morte de Golias. Nunca sambou no meio dos filisteus. Não inaugurou seu tempo como rei com uma valsa ou dedicou a Jerusalém um giro pelo salão de baile. Mas, quando Deus chegou à cidade, Davi não conseguiu ficar parado. Talvez Deus se pergunte como foi que nós nos contivemos. Não gostamos daquilo que Davi queria? A presença de Deus. Jesus prometeu: "Eu estarei sempre com vocês, até o fim dos tempos" (Mateus 28:20). Contudo, faz quanto tempo que enrolamos o tapete e celebramos noite afora a presença de Deus? O que Davi sabia que não sabemos? Do que ele se lembrou que nós esquecemos? Em uma frase, poderia ser o seguinte: O presente de Deus é sua presença.

Seu maior presente é ele mesmo. O pôr-do-sol tira-nos o fôlego. O azul do Caribe acalma nosso coração. Recém-nascidos levam-nos às lágrimas. O amor para toda a vida embeleza nossa vida. Mas leve tudo isso embora — prive-nos do pôr-do-sol, de oceanos, de bebês murmurando e de corações moles — e deixe-nos no deserto do Saara, e ainda teremos razão para dançar na areia. Por quê? Porque Deus está conosco. Isso deve ser o que Davi sabia. E isso deve ser o que Deus quer que saibamos. Nunca estamos sozinhos. Nunca. Deus ama você demais para deixá-lo sozinho, por isso ele não o deixou. Ele não o deixou sozinho com seus medos, suas preocupações, suas doenças ou sua morte. Por isso, pule de alegria. E faça festa! Davi "abençoou o povo em nome do SENHOR dos Exércitos, e deu um pão, um bolo de tâmaras e um bolo de uvas passas a cada homem e a cada mulher israelita" (2 Samuel 6:18,19). Deus está conosco. Essa é a razão para a celebração.

Uzá, ao que parece, deixou isso escapar. Uzá via um deus pequeno, um deus que cabia dentro de uma caixa e precisava de ajuda para se equilibrar. Por isso Uzá não se preparou para ele. Ele não se purificou para se encontrar com o santo: não ofereceu sacrifício, não observou os mandamentos. Esqueça-se do arrependimento e da obediência; coloque Deus na parte de trás de uma carroça e siga em frente. Ou, em nosso caso, viva como o inferno por seis dias e aproveite a graça do domingo. Ou, quem se importa com aquilo em que você crê? Apenas use um crucifixo em volta do pescoço para ter sorte. Ou, acenda algumas velas, faça algumas preces e tenha Deus do seu lado. O corpo sem vida de Uzá alerta contra tal irreverência.

A falta de temor a Deus leva à morte do homem. Deus não será bajulado, controlado, evocado ou ordenado a descer. Ele é um Deus pessoal que ama, cura, ajuda e intervém. Ele não responde a poções mágicas ou slogans inteligentes. Ele procura mais. Procura reverência, obediência e corações com fome de Deus. E, quando os vê, ele vem! E, quando ele vier, deixe a banda começar. E, sim, um coração reverente e pés que dançam podem pertencer à mesma pessoa. Davi tinha as duas coisas. Que tenhamos o mesmo.

A propósito, você se lembra do que eu disse sobre minhas filhas dançando de fraldas e com um sorriso largo no rosto? Eu costumava dançar com elas. Você pensa que eu ficava de lado e perdia a diversão? Não, senhor. Eu pegava-as no colo — duas e até as três de uma vez — e nós girávamos. Nenhum pai perde a chance de dançar com o filho. (O que me deixa curioso para saber se Davi poderia ter tido um par para dançar.)

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